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Hóquei e Mercado Financeiro



Quando vale a pena “tirar o goleiro”? Uma lição de hóquei para investidores


Um dos melhores sites da internet se chama SSRN, é um site de papers não necessariamente publicados. Outro dia pesquisando achei um paper Always pull the Goalie: Hockey and investments link aqui


Em 2018, Cliff Asness e Aaron Brown, nomes consagrados da AQR Capital Management e referência mundial em pesquisa quantitativa, publicaram o paper “Pulling the Goalie: Hockey and Investment Implications”.

O ponto de partida parece trivial: analisar em que momento uma equipe de hóquei deveria retirar seu goleiro em desvantagem para incluir um jogador extra no ataque.


Mas o que parece uma curiosidade esportiva revela lições profundas para finanças, risco e tomada de decisão.


Mentes que Movem
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O achado contraintuitivo


O estudo demonstra que a maioria dos técnicos age tarde demais. Segundo os cálculos de Asness e Brown, a estratégia ótima para maximizar a chance de vitória recomenda tirar o goleiro bem antes do que o consenso considera aceitável.

Por exemplo

  • A decisão que costuma ser tomada nos últimos 1 a 2 minutos de jogo deveria, estatisticamente, ser feita por volta dos 6 a 7 minutos restantes quando a equipe está perdendo por um gol.

  • O motivo: a probabilidade de marcar com um atacante extra compensa, em termos de valor esperado, o aumento do risco de levar mais gols.

No entanto, quase nenhum técnico segue essa lógica. O custo psicológico e reputacional de “perder feio” parece maior do que a chance de “virar o jogo”.


Do Hóquei para o mercado


A metáfora é direta. Em finanças, gestores enfrentam dilemas parecidos:

  • Portfólios institucionais: continuar em estratégias de baixo risco que garantem performance mediana ou adotar exposições menos convencionais (como factor investing, arbitragem estatística ou ativos alternativos) que podem gerar “tracking error” no curto prazo, mas carregam retorno superior no longo prazo.

  • Empresas listadas: boards que optam por não executar projetos transformacionais — fusões ousadas, mudanças tecnológicas ou expansão para novos mercados — porque o risco de “errar em público” é maior do que o benefício potencial de criar valor.

  • Gestores de risco: profissionais que preferem hedges excessivamente caros (que corroem retorno) para não serem acusados de negligência em caso de crise, mesmo que os números mostrem ser subótimos.


Em todos esses casos, o “goleiro” é mantido em campo, mesmo quando a matemática grita que já passou da hora de arriscar.


O papel da psicologia social


Asness e Brown exploram também o fator humano. Para o técnico de hóquei, tomar a decisão correta mas impopular carrega um risco claro: se falhar, será julgado como “imprudente” pela torcida, pela imprensa e pelo próprio time. É preferível perder de forma previsível do que arriscar e ser responsabilizado.

Essa mesma lógica aparece nos mercados:


  • Gestores de fundos ativos sabem que carregar posições contrárias ao consenso pode destruir suas carreiras se o mercado demorar a reconhecer o valor.

  • CFOs preferem “guiar para o consenso” em resultados trimestrais, em vez de surpreender positivamente em um trimestre e negativamente no seguinte, mesmo que a soma seja melhor.

Trata-se, como diriam Kahneman e Tversky, de uma variação da loss aversion: a dor do erro visível é maior que o prazer do acerto probabilístico.


Dados concretos do estudo


O paper apresenta simulações numéricas:

  • Se uma equipe em desvantagem de um gol tira o goleiro com 5:40 minutos restantes, sua chance de empatar (e levar o jogo à prorrogação) aumenta de forma significativa.

  • Quando a decisão é adiada para os últimos 2 minutos, o aumento marginal na probabilidade de vitória é muito menor.

  • Em resumo: o risco de levar um segundo gol cresce, mas o benefício de empatar e manter viva a chance de vitória cresce mais rápido.

Essa lógica é pura matemática de valor esperado — mas bloqueada por fatores emocionais.


Implicações para o investidor


  1. A coragem de agir antes da dor — O investidor disciplinado precisa se antecipar ao consenso. Quando todos “tirarem o goleiro”, será tarde demais.

  2. Educar stakeholders — Assim como o técnico precisa preparar a torcida para decisões impopulares, o gestor deve educar cotistas, boards e acionistas sobre a lógica probabilística por trás das estratégias.

  3. Incentivos e governança — Estruturas que punem o erro desproporcionalmente criam mediocridade. Remuneração de executivos e gestores deve ser baseada em valor esperado de longo prazo, não apenas no resultado de um trimestre.



O trabalho de Asness e Brown é um lembrete poderoso: em investimentos, assim como no hóquei, muitas vezes o erro não está em arriscar, mas em não arriscar quando as estatísticas mostram que é a única jogada racional.


Em tempos de juros reais baixos, competição global e disrupções tecnológicas, o conservadorismo excessivo pode ser tão perigoso quanto a imprudência.


Talvez seja hora de aceitarmos que, para vencer o jogo dos mercados, precisamos estar dispostos a “tirar o goleiro” bem antes do que o senso comum nos permitiria.

 
 
 

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